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MEHR LICHT (Mais Luz)
retrospectiva de Chema Alvargonzalez

curadoria de Mercedes Cerón


30.10 __ 29.11.2025
© Bruno Lopes


Sociedade Nacional de Belas Artes
Lisboa (PT)
 

A estrela ferida

 

Em 2022 encontro o Chema Alvargonzalez em Berlim a partir do seu legado cultural, denominado GlogauAIR Art in Residency. No conhecido bairro de Kreuzberg, um imponente e histórico edifício modernista projectado pelo arquiteto alemão Ludwig Hoffmann em 1896 junto ao canal, acolhe em si, mais do que o projecto do seu fundador, ele corporiza a intensidade quase física e a amiúde também abstracta, das sensações de Alvargonzalez sobre tudo o que o rodeava.

 

Chema Alvargonzalez é considerado um dos artistas mais representativos da primeira geração da globalização tecnológica cultural. Pertence ao grupo de artistas que iniciam o seu percurso profissional artístico nos anos oitenta e desenvolvem na década de noventa uma narrativa artística de pesquisa no circuito da fotografia e da arte multimédia.

 

Quando é ainda jovem e estudante no fim dos anos oitenta - após frequentar a Escola Massana de Barcelona e atraído pelo ambiente artístico de Berlim, muda-se para a cidade alemã para concluir os estudos de Belas Artes e Multimédia na Hochschule Der Künste onde viria a ser discípulo de Rebecca Horn e mais tarde, também amigo. Sob a influência de Horn inicia o seu interesse e experimentação com as suas primeiras instalações de luz com palavras, e também temas de ausência, solidão e isolamento.

 

A viagem foi uma constante na sua vida. Durante a infância por motivos profissionais familiares e mais tarde estimulado pela curiosidade da sua personalidade e carácter inquieto, tornou-se num nómada cosmopolita. Além de penetrar intensamente na vivência diurna e nocturna das cidades, através da fotografia, fazia um registo obsessivo de instantes, cenários e circunstâncias de sombras, luzes, sinais comerciais e reflexos que viriam a juntar-se à abrangente galeria de imagens que fazem parte da sua coleção. Os objetos de viagem são também constantes na sua linguagem e médiuns, malas, mapas, bússolas, mas não só, também a janela por onde assistia aos impulsos urbanos durante as suas deslocações, passaram a ser a moldura da memória sobre um vazio.

 

O vazio é marcado pelo pórtico histórico da queda do Muro em Berlim (1989). O artista experimenta a imensurável agitação da reconstrução da cidade e passa a ser um cronista dos espaços vazios e contraditórios da capital alemã. Nas obras deste período, encontramos a observação da efemeridade da cidade que busca sinais deixados pela ausência, mas guardados na memória.

 

Alvargonzalez desenvolve uma linguagem artística formal e híbrida, conciliando a luz e as palavras nas relações interpessoais num contexto urbano. A luz é essencial na sua obra, mas não como instrumento tecnológico ou digital, mas livre. Sem restrições de intensidade, direção ou forma, a fonte de energia seja ela natural ou eléctrica, sol ou céu, led ou néon, ela é origem de conhecimento e do sinal do tempo. Potenciando a sua força e contraste, usa-a como ferramenta social e política de alerta, contemplação e reflexão. Mas é na palavra da poesia que encontra o monumento à memória e a eleva no espaço como uma presença física e inspiradora.

 

As materialidades na sua produção artística são quase obsessivas mas, sem nunca repetir ou desmedir a reflexão do sentimento que transportam.

Nesta, que é a primeira exposição retrospectiva do artista em Portugal, podemos acordar da escuridão da sociedade actual num sentido literal e poético mas também para o significado das palavras. Seja qual for o idioma, o ofuscar da luminosidade remete-nos e focaliza inevitavelmente para o sentimento, de uma aparente simplicidade que apenas se materializa num vocábulo, ou dois.

 

Como não podia deixar de ser na obra de Alvargonzalez, a exposição começa no exterior, na observação. Mas lentamente somos transportados para a viagem ao interior, o seu?! ou talvez a do momento presente em que inevitavelmente somos levados a percorrer os ficheiros da memória de forma solitária, intima e extraordinariamente pessoal.

 

Entramos no edifício que acolhe a exposição a tentar entender o significado de MEHR LICHT, o porquê e talvez também, até onde. As imagens sobrepõem-se como camadas, e voltamos às memórias: algumas iluminantes e outras nem tanto. Objectos que nos impelem ao movimento - talvez forçado, dependendo do contexto, mas que sobretudo nos recordam que tudo no tempo que percorremos durante a nossa transformação humana está em transformação. A viagem entre o visível e o invisível que molda a vida.

 

Observando cada uma das obras expostas, fazemos a viagem junto de Alvargonzalez.

 

Na sua ausência encontramos o mote e a marca da sua obra artística, a melancolia do espaço em aberto que deixa. Talvez apenas a coincidência da percepção poética nos alerta para a serendipidade.

Será o abandono o esquecimento do sentimento ou meramente uma estrela ferida.

 

 

Mercedes Cerón, outubro 2025

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