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HOW TO LIVE?

João Motta Guedes

Texto da exposição de Carolina Quintela



28.09 __ 11.11.2023

© Bruno Lopes


 

A flor azul de João Motta Guedes 

 

 

Apresentada ao mundo por Novalis através da sua obra literária Heinrich von Opferdingen (1802), a Flor Azul tornou-se um dos símbolos do romantismo. Embora inacabado, o pequeno romance conta a história de uma viagem de autoconhecimento do protagonista na busca dessa flor que acaba por assumir uma importância muito superior à realidade como fim concreto e palpável. Através de imagens simbólicas, esta viagem tem como ponto central uma visão intuitiva do mundo na busca do inefável e do absoluto imaterial, nostálgico e poético. A flor sintetiza, deste modo, a perfeição e a raridade, assim como a procura constante pelo infinito e na qual o caminho se assume como intenção e a travessia como abertura a vivências transformadoras. 

Com uma forte influência da poesia e da literatura, João Motta Guedes, tem vindo a desenvolver o seu trabalho artístico em diversos médiuns e maioritariamente em torno dos conceitos de liberdade, vulnerabilidade e amor, assim como do que move verdadeiramente um artista, o desejo. A visão poética do mundo e o desdobramento dos caminhos desconhecidos que possibilita, são características da sua prática e têm um valor propulsor mágico, que permite a transfiguração do real do mundo a partir da potência da linguagem e da busca da imaterialidade. Com uma natureza ancorada no que podemos talvez chamar de conceptualismo romântico, parece-me ser possível ver na sua obra um paralelismo com as ideias subadjacentes à Flor Azul de Novalis. O movimento contra a finitude do mundo através da arte, sendo esta objeto de estudo que permite a evasão pela experiência estética, apontando a uma apreensão sensível do que nos rodeia. How to live?, a primeira exposição individual de Motta Guedes na Galeria NAVE, apresenta um corpo de trabalho que pretende problematizar e refletir sobre a ideia da viagem enquanto metáfora da vida, assentando simultaneamente na memória afetiva de uma viagem na qual ao artista se abriram diversos caminhos de descoberta e questionamento. Ao encenar e invocar formalmente um lugar real onde esteve no passado, o artista explora o imaginário a partir desse espaço vivido, o qual contém a sua perceção individual subjetiva. Nesse sentido, o espaço da galeria transforma-se e atira-nos para um outro lugar, o chão agora onduloso está coberto de pedras e ao longe surge um carril, assim como, até chegarmos a ele, um novo horizonte apresenta-se sob a forma de um conjunto de esculturas luminosas alinhadas, que interpelam o espectador. 

A escultura “Untitled poem (Horizon)”, uma linha de perguntas que surgem compassadamente e que são uma espécie de pronuncio luminoso de desabafo e alerta, recorda-nos de que a vida acontece em ciclos de questões que se atualizam no tempo. Já “How to live?”, formalmente um carril com toda a sua estrutura rítmica marcada, tem nas suas extremidades o contorno de duas portas ou portais, que nos desafiam a transpor e embarcar na viagem-metáfora de descoberta e na qual as diversas perguntas nos atravessam. Podemos assim perceber que esta exposição/instalação ao evocar a memória afetiva através de símbolos e códigos, e ao permitir simultaneamente o espectador penetrar e interagir com as obras no espaço, o convoca também a participar nessa viagem e a pensar sobre a sua própria vida, o espaço a ser alcançado, a ser empreendido, a contemplação e, por fim, o retorno e a sua alegoria simbólica. A invocação poética é conduzida pela imaginação e o lugar original, transposto. 

Este simulacro e a transitoriedade proposta, assim como os elementos que povoam o espaço expositivo, explicitam a obra de arte como encontro onírico e sensível que abre espaço à transcendência. Uma paisagem intuitiva e imersiva, simbólica de um lugar de reconhecimento e evasão. Assim como em Heinrich von Opferdingen, em que Novalis descreve a imagética de um lugar e da sua travessia, Motta Guedes materializa a imagética de um outro lugar e, deste modo, as perguntas que o artista nos coloca correspondem a um mapa cósmico sobre como e o que é viver. No entanto, ao contrário de Novalis, que vê no infinito uma perceção dolorosa da vida por esta ser limitada, Motta Guedes encara o infinito como matéria da esperança e potência das inúmeras possibilidades do futuro. Tudo é caminho, tudo é aprendizagem, e a beleza da vida está na travessia e no constante porvir. 

 

Carolina Quintela

Setembro, 2023

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